segunda-feira, 29 de julho de 2013

Mais um conto que conto meio de canto....


Ela lembra que quando aos 4 anos , pulou de um sofá pra outra poltrona e acertou a rosto , na altura do canto olho esquerdo, na quina da tv da sala, em Anápolis -GO. O sangue jorrou e a dor ....dá pra lembrar ainda.
 No momento , o primeiro sentimento foi de desespero mas em seguida , ouviu o pai falar , tranquilamente para a  mãe, enquanto caminhava calmamente  em sua direção para socorre-lá:  " Olha, nossa artista entrou pelo cano outra vez! "
Assustada e já no colo do pai , com a mão no corte , tentava não chorar e ouvi-lo: " Bateu feio , mocinha, pega um ponto aí! Você escolhe a marca ou o ponto, que não vai lhe deixar marcas? "  Claaaro que ela escolheu a marca....
Anos mais tarde , uma faca amolada em uma brincadeira boba, quase tirou o dedo anelar da mão direita  e levou embora, por um breve tempo , a sensação tátil , o toque, ao acertar possivelmente o nervo ulnar.
Voltando ao momento do sinistro, novamente  , engole o choro - já é moça feita, tem doze anos e liga para o pai, que sai do gabinete e vem em seu socorro e da mãe, que estava completamente desesperada diante de tanto sangue. Em uma atitude maluca de acalmar a mãe , enfiou a mão na bacia que claro, piorou tudo, então ,  enrolou o dedo sem controle motor em uma faixa de pano qualquer. 
O amiguinho que brincava com faca, sem intenção nenhuma de machucar, batizado com nome de importante compositor clássico austríaco, as essas alturas assustado, já se fazia longe, escondido sabe-se lá onde..... No calor da situação, nem o próprio Mozart salvaria.
Ao chegar no hospital, a parte mais difícil - retirar a faixa que grudara no dedo....e novamente a pergunta, quase nove anos depois: " Você tem duas opções : ponto ou marca! Só que um nervo do seu dedo fora atingido e sem uma intervenção ,  poderá não recuperar , talvez, o movimento completo desse dedo...
Pesou rapidamente enquanto o sangue jorrava e decidiu mais mais uma vez, pela marca....Parecia conviver bem com essa coisa de tomar suas própria decisões no limite, sobre pressão. O segredo: a calma do pai. A tranquilidade diante das adversidade . Afinal, era sua primogênita amada , sangrando ali. Os dois , numa troca de amor e cuidado , buscavam a todo custo, não apavorar o outro. Ela não chorava e ele não se apavorava.Estava criada ali, uma regra de cumplicidade simples, para que se sofresse menos.
Dois anos se passaram  e numa viagem imprudente, questionada pela mãe, prontamente concedida pelo pai , para um terreno da família, no meio do mato, com cachoeiras lindíssimas e muitos amigos a bordo de uma D-10 azul, recebe seu novo estranho presente, logo na entrada  - um tiro de espingarda de chumbinho também no braço direito, na altura do cotovelo e mais uma vez , põe em risco o nervo anteriormente descrito - o chumbo se alojou entre o nervo e o osso, área irrigada demais para arriscar uma retirada e pela terceira vez a pergunta-  A cirurgia ou a marca? Mas dessa vez, até o colega medico do pai , optou pela marca, pois a cirurgia seria delicada . O chumbo agora era hospede de seu braço direito. Bom- uma vida a mais de um passarinho , preservada (assim pensou).

Anos se passaram e mais uma vez ela se vê diante de uma situação parecida só que bem engraçada.
Um homem travestido de Jack Sparrow , durante uma viagem com a família ,num  Morro paradisíaco longe de tudo, onde só se chega de lancha ou barco,  se oferece para tirar uma foto temática por 5 reais.
Sabendo da paixão do filho pelo personagem , aceita de imediato. E tamanha foi a surpresa , enquanto  o marido posicionava a câmera e o filho a outra , ao perceber  que "pirata" desembanhara uma espada e ela não era de plástico, levando-a direto a seu pescoço e pressionando levemente. Lembra-se apenas de murmurar baixo para o artista de rua e colega de profissão: " Cara, essa espada é verdade! " e ele , com segurança incomum, encosta rente ao pescoço dela e diz: " Relaxa! Olha pra máquina!"   E  só!     Dez fotos ou mais foram tiradas  e depois de uma certa tontura, o artista preocupado , falou perto: "Você precisa rever esse trauma. Está mais calma?" Claro que não!Procurava o dinheiro no bolso, tremendo toda. Ela não estava nada calma mas disfarçou legal para não estragar a noite de ninguém. Fora que o marido tinha um certo "pé atrás" com artistas de rua e jurava que a espada era tranquila , de brinquedo. Também não queria atrapalhar o trabalho do colega mas sugeriu que mudasse a espada. E a resposta veio de imediato: " espada de plástico? Não! É preciso sentir a adrenalina para que a foto saia perfeita! " Pouco tempo , umas duas ruas depois, novamente nos encontraram-se novamente e o filho quis a mesma foto que tirou minutos antes.......... Olhando  quase em desespero em seus olhos, depois para a espada, não queria estragar a fantasia do filho , ao mesmo tempo não denunciaria a espada- seu ganha pão (perigoso).  E foi então que, sorrindo, ele sacou uma um punhal de plástico e olhou pra ela com o mesmo olhar cínico e sinistro de Jack. ..
Mas não resistiu em dizer novamente:" você precisa relaxa mais.. As pessoas  sabem o que fazem! Precisa rever esse trauma seu..." 


 Rever esse trauma?????????? Ok! "Senta bem aqui, seu pirata! Quer ouvir uma historia  loooonga?"



Horas depois passamos em frente  ao local que dissera à família ser sua sede, seu forte, seu "barco".O  local bacana e bem decorado, ficava sozinho, aberto e sem qualquer segurança e no entanto , tudo estava lá. Todos entravam, olhavam.Nenhuma taxa era cobrada, ninguém mexia em nada, não tiravam nada do lugar.


Ao despedi-se da ilha ,  lembrava de ter pensado com muito bom humor: "Relaxado até demais pro meu gosto..."


Mundos, cidades, culturas e criaturas diferentes. E cada um com sua fé! Ao deitar naquele dia, novamente tremeu só de imaginar aquela espada.
 A foto? Todo mundo olha. Já ela........não mesmo! Neeem!

Uma lição? Não...Uma passagem...Dividindo com vocês, apenas. Um conto, que conto meio de canto...